segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Devaneios gramaticais

Estava eu conversando sobre as (Surpresa!) eleições com umas amigas quando, por falta do que falar ou somente pra incendiar a conversa, soltei: "Dilma fala 'presidenta'".
-É aceitável - uma delas replicou.
-Não é.
-É.
-Não é.
-E se não for, eu posso falar "presidenta" e chamar de neologismo. Pronto.
-Então se "presidenta" é aceitável, "gerenta" também é.

Fiquei puto e me calei. Odeio "neologismo" como argumento. Neologismos subvertem todas as regras de um língua e isso acaba se transformando num atestado pra se falar como quiser, inclusive errado.

Depois de uma curta pausa comecei a devanear sobre as mutações que as línguas sofrem com o passar do tempo. Citei o popular "a gente", que sempre é usado pra se referir a "nós", mas que sempre concorda com a terceira pessoa ("A gente lê muito" no lugar de "[Nós] lemos muito"). Em seguinda veio o curioso caso das maiorias: "É muito comum ouvir: 'A maioria das pessoas fazem...'. Chega dós nos meus ouvidos".
-Mas é aceitável - uma delas replicou.
-Não é.
-É.
-Não é.
-É.
-A maioria é UMA maioria, portanto faz e não fazem.
-Mas o verbo pode concordar com...
Fiquei puto de novo:
-Concorda com nada! Vou parar de falar português e adotar o alemão, pra que eu ter certeza de que as pessoas escutem exatamente o que eu quis dizer.

Mais um curto silêncio.

De volta ao ponto dos neologismos, soltei: "Daqui a pouco 'vc' também vai ser aceitável."
-Ah, mas 'vc' é abreviação.
-...
-...

Nesse momento, umas das meninas que estava ouvindo mais e participando menos, comentou:
-Mas isso já aconteceu.

Na hora ninguém entendeu, mas um segundo depois todos estávamos refletindo como chegamos a "você". Vem de "Vossa mercê". E vai para "vc".

Vossa mercê -> Você -> vc

Mania feia essa de encurtar tudo, não é? E há casos piores. Como em "Vamo-nos em boa hora", que se tornou "bora". Haja preguiça!

Vamo-nos em boa hora -> Vamo-nos embora -> Vamo' embora -> Bora

Tudo isso só leva a crer que Saramago estava certo quando disse, referindo-se ao twitter: "Os tais 140 caracteres refletem algo que já conhecíamos: a tendência para o monossílabo como forma de comunicação. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido."