quarta-feira, 27 de julho de 2011

Sobre satisfação

Logo que foi anunciado o show do Pato Fu aqui em João Pessoa, comprei minha entrada. Paguei R$60. Me apressei porque não queria nem pensar na ideia de perder a chance de vê-los ao vivo. Dias depois uma amiga falou: "A entrada tá custando R$30. Fail pra você".

A reação mais comum das pessoas é pensar algo como: "Que droga! Se eu tivesse esperado um pouco mais...". Há dois anos eu teria reagido assim. Hoje não. É bastante óbvio que pensar sobre o dinheiro que eu poderia ter economizado não vai trazê-lo de volta, mas foi preciso alguém me dizer pra eu poder entender que saio mais satisfeito de casos assim se não pensar nas possibilidades.

Em economia existe um termo chamado sunk costs. Ele serve para designar os investimentos que não podem ser recuperados. E "recursos" não quer necessariamente dizer "recursos monetários". Você já deve ter terminado de ler um livro somente por já ter passado da metade. Ficou com aquela ideia de "Se eu não terminar agora vou ter perdido o tempo que investi até aqui. Então vou até o fim". E é tomando decisões como essas que você acaba, ao contrário do que espera, desperdiçando mais ainda os seus preciosos recursos. Sunk costs. Melhor teria sido abandonar a leitura do livro ruim no meio.

Foi lendo The Paradox of Choice, de Barry Schwartz, que descobri o quanto sunk costs pesam na hora de decidir entre deixar ou continuar algo. O mais assustador é ver o quanto é comum se apegar a algo sem futuro somente por já ter investido demais na tal coisa. No livro, aprendi muito sobre satisfação. Descobri que algumas das minhas atitudes diante de certas situações comprometiam a satisfação que eu poderia tirar da experiência. Devagarinho fui tentando mudar.

Num dos capítulos se fala sobre dois grupos que o autor chama de Satisficers e Maximizers. O primeiro é formado por pessoas que, por exemplo, ao sair pra fazer compras estão dispostas a aceitar algo que não é exatamente o que queriam, mas que é bom o suficiente. Os maximizers são mais rigorosos, estão dispostos a investir mais tempo e mais energia na busca do, seja lá o que estiverem procurando, ideal. Para esse segundo grupo é comum ter que gastar muitos recursos (seja tempo, dinheiro, energia ou uma combinação de todos) para encontrar o que se procura. E ao final da epopeia nem sempre se está satisfeito o quanto se espera. Sem falar que é possível que esse produto/serviço ideal não esteja disponível.

Essa é apenas uma característica que diferencia as pessoas que buscam a perfeição das que se vivem mais satisfeitas. Continuando a leitura, já com a pulga atrás da orelha quanto a qual grupo eu pertenceria, vi que há um pequeno teste no meio do livro. Nele, umas das questões que mais ficaram martelando na minha cabeça foram algo como: "Você tem hábito de classificar coisas apontando qual o melhor, qual o pior, etc? Costuma fazer lista dos melhores livros, melhores filmes, melhores discos?". Quando li essa segunda, tive a impressão de que o livro estava falando diretamente comigo. Sou um grande adepto desse tipo de lista. Até publiquei uma aqui no blog, mas não sem ficar insatisfeito ao final. Tinha planos para escrever outras, mas vi que isso não me faria muito bem, então desisti.

Essas perguntas me chamaram tanto a atenção porque é comum me ouvir fazê-las nas primeiras conversas que tenho com alguém que acabei de conhecer. Especialmente "Quais são seus livros/filmes/discos favoritos?". Vai ser fácil notar isso se você me conhece há pouco tempo. Os amigos mais antigos também já devem ter notado.

Talvez eu esteja até dando a impressão errada do livro aqui. Estou falando de alguns pontos específicos enquanto o autor se preocupa muito mais em dizer que escolhas demais são prejudiciais à nossa satisfação. Mas cito aqui exatamente os pontos que mais me marcaram e fizeram com que eu considere The Paradox of Choice um dos livros mais importantes que li no ano passado.



PS: Fui pra o show do Pato Fu e foi fantástico. Melhor do que eu esperava. A amiga que citei no começo do texto não foi. Achou caro. Poucos dias depois me disse que estava arrependida. Qual a decisão mais inteligente a tomar agora? Esquecer. Nada de remoer oportunidade perdida. Assim a gente vive mais satisfeito.

domingo, 3 de julho de 2011

Humildade

Uma vez perguntaram pra Cauby Peixoto:
-Quais os dois melhores cantores do Brasil?
Ele pensou um pouco e respondeu:
-O outro é Emílio Santiago.

A maioria das pessoas procura desesperadamente uma razão pra existir. De vez em quando também caio nessa, penso que ter consciência e não usá-la pra algo útil é muita ingratidão. Mas aí vem o universo. Minúsculo como sou, não posso ser responsável por nada. A insignificância me conforta. Se você sente algo ao menos semelhante a isso, vai gostar do video abaixo:



Desse texto de Sagan a minha parte favorita é "There is perhaps no better demonstration of the folly of human conceits than this distant image of our tiny world", que ficou melhor, julgo eu, na tradução que não sei quem fez: "Talvez não haja melhor demonstração da tolice das vaidades humanas do que essa imagem distante de nosso pequeno mundo."

Mas você pode não estar convencido e achar o universo um assunto pouco interessante. Então veja agora um video mais específico, falando sobre a ilustre pessoa que é você. Talvez você nunca tenha parado pra pensar em quem é, mas Mário Sérgio Cortella já o fez e ele responde aqui a grande questão: "Quem és tu?"




Desse texto a minha parte favorita é:

Tem gente que pensa que deus fez tudo isso somente pra nós existirmos aqui. Esse que é um deus inteligente! Entende da relação custo/benefício. Ele faz bilhões de estrelas, galáxias, só pra nós existirmos aqui.

Tem gente que acha coisa pior. Acha que deus fez tudo isso só pra essa pessoa existir ali. Com o dinheiro que ela carrega, o sotaque que ela usa, a religião que ela pratica, com o cargo que ela tem dentro do banco ou da universidade, com a cor da pele que ela tem.

Recapitulando: Tu és um indivíduo entre outros 6 bilhões e 400 milhões de indivíduos compondo uma espécie entre outras 3 milhões de espécies já classificadas, que vive num planetinha, que gira em torno de uma estrelinha, que é uma entre outras 100 bilhões de estrelas, compondo uma única galáxia entre outros 200 bilhões de galáxias num dos universos possíveis e que vai desaparecer.

De forma sucinta: Um vice-treco do sub-troço.

Créditos:
-Quem me contou a anedota que abre o post foi @PatrickOnofre;
-Alan Vital já havia me falado sobre Cortella há pouco mais que um ano, mas foi @Raninho quem me mandou o link do segundo video.

1984

Li 1984 recentemente. Além da sensação comum a quem lê o livro, fiquei com outra. Nas cenas onde O'Brien aparecia eu sentia que o rosto dele me era familiar, mas não conseguia olhá-lo diretamente. A ideia que eu tinha do rosto era característica do que é percebido somente pela visão periférica: presente, mas indefinido. A sensação me atacava sempre que o personagem aparecia e durou até depois do fim do romance. Fiquei matutando, na esperança de descobrir quem era, no mundo real, o dono da face fictícia.

Só ontem à noite fiz a descoberta.



Christoph Waltz, que fez Hans Landa em Bastardos Inglórios, é a cara que a minha mente deu a O'Brien.