segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Nossa biblioteca ao ar livre


Junior, que estava morando em Brasília na época, soube de um projeto interessante que rola por lá. Ele consiste essencialmente em espalhar estantes pela cidade para que qualquer interessado possa pegar e levar pra casa o livro que quiser.

Não demorou para Junior ser tomado por uma vontade de executar a mesma ideia em Teixeira. Ele entrou em contato com os amigos leitores da cidade e contou o que pretendia fazer. Muitos se dispuseram a colaborar e uma pequena fração desses se reuniu para ir um pouco além das palavras.

Começamos a coletar doações de livros e a levantar fundos para a construção da nossa estante. Num primeiro momento pensamos em montar uma tenda durante as festas juninas e assim aproveitar a oportunidade de divulgar a ideia com os turistas que visitam a cidade nessa época. Conseguimos apenas montar uma bancada, mas os resultados surpreenderam até os otimistas. Fizemos vários empréstimos, ganhamos alguns livros e a iniciativa foi bastante elogiada.





Depois dessa primeira experiência, fizemos um balanço e pudemos alinhar melhor as nossa expectativas com relação ao futuro do projeto. A ideia da estante foi amadurecendo e tomando nova forma. Descartamos a possibilidade da clássica estante de madeira por conta da exposição a sol, chuva e da pouca proteção que ela ofereceria aos livros. Novos voluntários juntaram-se ao grupo e foi justamente um desses novos voluntários que transfomou um dos nossos planos em algo concreto. Adailton é dotado de uma capacidade de execução excepcional. Diferentemente do resto da turma, ele não tem dificuldade nenhuma em ir além dos rascunhos e especulações.

A par do que já havíamos planejado, Adailton começou a dar suas sugestões e a pensar em como chegaríamos ao nosso objetivo: a estante propriamente dita. Considerando a localização e as condições às quais a estante ficaria exposta, Adailton apontou o melhor material para o trabalho, calculou quanto dele precisaríamos e quanto tempo ele levaria para transformar a matéria prima em arte final. Resultado:



Eu não sei dizer se é por conta do meu envolvimento com o projeto, mas eu não consigo considerar o trabalho de Adailton como ordinário. E lembre-se que foi feito voluntariamente!

Há também as dificuldades que enfrentamos pra manter o projeto caminhando. A que mais me incomoda é a tendência que a pessoas tem de acreditar que só se doa o que não serve para si. Fico muito chateado quando recebemos um livro velho e mal cuidado como doação. E pior é imaginar que o doador acredita que está mesmo colaborando!

O problema do lixo em formato de livro não é exclusivamente nosso. Através do Menos um na Estante descobri que no Recife existe um projeto parecido com o nosso e que ele enfrenta algumas situações semelhantes:

"(…) Muita gente ligou ou foi à biblioteca para doar o que não serve mais. Sacos e sacos de livros didáticos e paradidáticos que os filhos não precisam, muitos deles riscados. (…) Relatórios de pesquisas de 2002; Manuais de mecânica; coleções grossas de manuais de medicina e termos de psiquiatria, fora os compêndios de álgebra linear; livros escritos em alemão; cadernos usados pelos filhos no ano anterior, com exercícios. Até o 'Guia 4 Rodas 2002' recebemos. A lista, na verdade, seria imensa. (…) O que faz uma pessoa ligar para uma biblioteca comunitária para doar livros, apostilas, cartilhas, coleções,  que não vão servir, em hipótese nenhuma? (…) Em pouco mais de um mês, tivemos um pouco a noção do que representa o “doar” para muita gente. Algo como tirar de casa o entulho."

O post completo, incluindo o lado bom da história, você pode ler aqui.

Vale lembrar que nas entrelinhas existe também um trabalho de conscientização, pois, no nosso caso, os livros ficam disponíveis 24 horas por dia sem nenhuma vigilância. A gente acabou assumindo mais um compromisso que não esperava: O de educar, além dos leitores, também os doadores.

Antes que eu esqueça é bom dar os créditos a quem está dando o sangue pela ideia. Thiago, Mateus, a ONG "Os Cobras" (da qual Adailton faz parte), Hildeberto e especialmente Alan Vital e Marco Aurélio. Esses últimos tem tirado tempo não sei de onde para acompanhar a estante um pouco mais de perto.

É necessário também agradecer a quem apoiou a ideia e fez doações de livros quando o projeto ainda se resumia a planos. João Matias, Nabila, Bruno Santos, Betomenezes e Maria Valéria Rezende doaram livros novos e bem cuidados.

Pra finalizar, uma frase do Samarone Lima, que escreve no Estuário: "Se queres doar algo, para uma biblioteca, asilo, orfanato, para vítimas de enchente, de terremotos, que seja o bom e o belo, mesmo que pouco. É o que penso."