domingo, 5 de agosto de 2012

Umwelt


Não entendi a tirinha de primeiro de abril publicada no xkcd. Não dei muita importância porque não foi a primeira vez que isso aconteceu e porque eu tinha coisas mais importantes a fazer.

Já alguns dias depois que, por acaso, vi nos meus feeds do reader um artigo chamado "Umwelt, XKCD e a grande piada de primeiro de abril que é a nossa percepção de mundo". Era um texto do Papo de Homem no qual o autor confessa que também não entendeu a tirinha e conta como depois a decifrou.

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Se você não é acostumado a ler as tirinhas do xkcd, provavelmente não sabe que uma metade da piada está na imagem e outra está no texto que aparece quando se deixa o cursor sobre ela. Na primeira tirinha de abril o texto é:

"Umwelt é a ideia de que, porque seus sentidos se apegam a coisas diferentes, animais diferentes no mesmo ecossistema vivem em mundos diferentes. Tudo ligado a você molda o mundo que você habita - desde sua ideologia até a receita dos seus óculos até a janela do seu navegador." Originalmente: "Unwelt is the idea that because their sense pick up on different things, different animals live in very different worlds. Everything about you shapes the world you inhabit-- from your ideology to your glasses prescription to your browser window."

Mesmo com essa dica, ainda não entendi qual era o sentido da coisa. Assim, continuei lendo o artigo do PdH e tive a revelação de que a tirinha é diferente dependendo do navegador que você estiver usando. Foi quando a ficha caiu. Era tudo um paralelo com a forma como a gente vê o mundo. Lembrei de imediato de um texto, sobre o azul, que Karla me mandou há uns meses. 

Fiquei pensando em todas as coisas que só fazem sentido se a gente já conhecer algumas outras. Eu gosto particularmente das que envolvem arte. Por exemplo: Essa imagem aqui só faz sentido se a original for conhecida. Eu gosto muito dessa outra. Pra entendê-la você precisa saber um pouco de inglês e francês, conhecer um pouco história da arte e ter jogado Mario. É pouco provável que uma pessoa de 60 anos compreenda. Tanto quando uma de 15. Existe também um clipe genial do Buckethead, Spokes for the Wheel of Torment, que não fará nenhum sentido se quem assiste não conhecer O Jardim das Delícias Terrenas, de Bosch.

Mas todas essas coisas que citei são muito específicas de um tempo, um lugar e uma cultura. Eu quero falar de coisas mais comuns e específicas.

Você já escutou a sua própria voz? Não me refiro à que você ouve quando fala com alguém, mas àquela voz estranha que as gravações de audio capturam. Todas as pessoas ouvem a sua voz do jeito que ela é. Menos você, que precisa de um artifício tecnológico pra isso. Isso acontece porque as vibrações das suas cordas vocais ecoam nos ossos da sua cabeça até chegar aos seus ouvidos. As outras pessoas podem ouvir o som delas sem que ele sofra a interferência do seu crânio poroso. Então todos podem ouvir a sua voz como ela é, certo? Mas e a que você ouve quando fala? Só você pode ouví-la. Não há como transmití-la. Ninguém mais pode percebê-la assim.

Esse é um exemplo trivial e até meio bobo. Mas a simplicidade dele ajuda a ilustrar o que quero tentar dizer. Se nem a sensação que temos ao ouvir nossa própria voz pode ter transmitida, o que dizer das coisas mais complexas?

Toda essa condição tem um quê de maravilhoso e trágico. Maravilhoso porque quando Marisa Monte diz "Infinito Particular", não está de brincadeira. Cada de um de nós vive num universo único, particular, que não pode ser roubado ou invadido. Trágico pelo mesmo motivo. Todas as sensações desse mundo são incomunicáveis. Cada um de nós está irremediavelmente só. O máximo que podemos mostrar ao exterior é um rabisco canhestro do que é o interior e torcer para que a pessoa do lado de fora o perceba como esperamos.

O mundo onde vivo é muito bonito, mas é incômodo e angustiante saber que eu nunca vou poder fazer você experimentar o que sinto ao ver A Nostalgia do Infinito, ao escutar Funeral, do Arcade Fire, desde o começo até o fim (e perceber cada uma das notas, da mais discreta à mais evidente) ou ao estar com quem amo. Por mais que eu demonstre, escreva, fale, e que você diga que sim, que sabe do que estou falando, nunca vou ter certeza.