quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Crônica Matinal


Eu tenho uma foto que quero um dia transformar num quadro. Não simplesmente imprimir, emoldurar e pronto. Estou disposto a aprender a pintar razoavelmente bem somente pra poder fazer um quadro dessa foto. Ela está salva em um dos meus vários CDs que guardam os bens digitais que vim acumulando ao longo dos anos. Há poucos dias eu resolvi procurar esse CD. Revirei todas as caixas que tenho em casa e vasculhei o meu porta CDs. Nada. Fiquei entristecido pela perspectiva de nunca mais ver aquela foto. Mas por hora eu havia desistido da busca.

Hoje cedo eu estava deitado na cama, olhando pra cima e pensando em como resolver um problema do projeto de software que estou desenvolvendo. Passei os olhos pela minha estante e notei que no topo dela há alguns jogos e brinquedos. Tem peças de lego, um twister, colonizadores de catan, a caixa do roteador sem fio e... uma caixa desconhecida! Quase saltei da cama para pegá-la. Tinha certeza que ela continha alguns CDs e que neles certamente encontraria a foto que procuro. Sem tirar nada de dentro dela, fui movendo os objetos de um lado pra outro interessado somente em saber se estava ali o que eu procurava. À primeira vista não notei nada parecido com um CD, então fui puxando todo o conteúdo pra fora. Uma calculadora científica, um cubo de Rubik, um rolo de esparadrapo microporoso (indispensável pra quem está aprendendo a tocar gaita), um comprovante da doação que fiz pro Haiti, vários marcadores de página, um sapo decorativo de madeira que funciona como instrumento musical, um mp3 player velho (do tempo que eles eram grandes e caros), um chaveiro, o telefone de uma escola de música e um broche do Monty Python. As últimas esperanças estavam em três envelopes grandes, que abri devagar. Um deles tinha uma carta de amor antiga (sim, elas existem); o outro apenas anotações; o terceiro guardava os certificados do Global Game Jam de 2009. Decepcionado, resolvi guardar tudo de volta. Com os envelopes na mão, notei um pequeno cilindro escuro no fundo da caixa. Não o vi antes porque ele estava oculto pelo que eu agora segurava. Um filme.

Vim pro computador escrever porque o que acabou de acontecer me parece substância para uma crônica. E crônicas, segundo me disse Ronaldo Monte, tem prazo de validade. É preciso escrevê-las antes que estraguem.

Enquanto escrevia, o filme descansava sobre a minha mesa. Quando fazia uma pausa, eu olhava pra ele e tentava imaginar quais segredos ele guardava para si. Seria o filme daquela expedição que fui com vários amigos e ninguém se responsabilizou por revelá-lo? Pouco provável. Eu já não era capaz de imaginar de onde esse filme tinha vindo. Eu nunca tive uma câmera fotográfica.

O segundo parágrafo já estava pronto quando o sorriso de quem se sente um explorador de tumbas deu lugar a uma expressão mais séria. Lembrei de onde veio o filme. Ele é o último dos três que encontrei na casa do meu pai, depois que ele saiu dela pela última vez. Eu não quis revelá-lo junto com os outros dois pra preservar um pouco do mistério, que é o manto com o qual visto e mantenho vivo o meu pai. É possível que o velho ainda tenha mais alguns segredos escondidos, mas hoje é dia de resolver o que talvez seja o último dos seus enigmas.