sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Truques do universo

Não é uma sensação indescritível aquela que experimentamos ao encontrar algo que não procurávamos? Existe outra sensação que é um parente bem próximo dessa primeira.

No final de semana passada, o rapaz da locadora que frequento perguntou se era eu a pessoa que procurava "O Ponto de Mutação". Não era. Como eu vivo fazendo buscas de filmes incomuns, deduzi que ele me confundiu com outra pessoa que tem o mesmo hábito. Ainda sem certeza do que levar, pedi para ver sua caixa. A sinopse me pareceu convidativa, mas deixei para uma outra vez. Levei Réquiem para um sonho e A Lenda (aquele de onde Johnny Depp tirou o nome dos filhos, do Ridley Scott).

No mesmo fim de semana, passo a vista nos tweets de alguém que fala que "O Ponto de Mutação explica bem alguma coisa que..." Não dei muita atenção, afinal estava apenas passando a vista, mas fiquei com a impressão de déjà vu (cette titre).

Hoje, novamente no twitter, citaram um rapaz de quem eu já vi falar outras vezes. Resolvi que era chegada a vez de conhecer a figura visitando o seu perfil (porque pra conhecer alguém, melhor do que isso só uma visita ao quarto). Vi que temos uma mania em comum. A de fazer listas e apontar, de acordo com nosso ponto de vista, os melhores. Ele fez uma dos seus 100 filmes favoritos e nos comentários, naturalmente, surgiu uma porção de questionamentos sobre os critérios ele usou para compor a lista. Um dos leitores fez seu comentário e deixou um link para a sua própria lista. Fui visitá-la também e logo na segunda página me dou de cara com o quê? Com "O Ponto de Mutação".

Eu gosto desses truques do universo. Na sua vida toda você nunca ouviu falar de um filme e em apenas uma semana vê três referências a ele.

Em casa, assisti Réquiem para um sonho. Filme junkie de primeira. Na minha opinião melhor até que Trainspotting. A trilha sonora me chamou a atenção, mas o filme é bom demais pra te deixar apreciar o som tanto quanto ele merece. Na segunda-feira baixei a trilha pra escutar com mais calma. No meio da manhã começa a tocar uma música estranhamente familiar. Chama-se Meltdown. Quanto tempo eu esperei pra saber o nome dela? A primeira e, até então, única vez que eu a havia escutado foi em 2005/2006. Lembro que fiquei em êxtase, louco pra saber quem era o compositor, mas não consegui. Não tinha nem como me referir a ela e a ausência de letra somente dificultava as coisas. Foi um dos pequenos feitos que eu havia desistido de realizar. E agora, anos depois, ela surge assim diante de mim, com informações como nome, autor, ano, etc. Tudo que eu gostaria de ter encontrado há anos! Mas prefiro assim. Não sei se experimentaria a mesma satisfação se a busca não tivesse sido tão demorada.

É nesses momentos que eu acredito que Amélie Poulain realmente parece com a vida. Ou será o contrário?

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O escorpião

Acordei cedo, saí pra ir à padaria. Passando por uma das esquinas do bloco notei que descansava ali um escorpião. Ele tinha um tamanho não muito comum. Uns 4 ou 5 centímetros.

Isso me fez pensar se valia ou não a pena matá-lo. Me concedi um pouco mais de tempo para pensar e resolvi dar uma resposta definitiva à questão depois. Na volta da padaria ele ainda estava lá.

Lembrei de uma pesquisa da qual participei recentemente. Ela perguntava se, na minha opinião, a vida dos humanos é superior à dos animais. Respondi "não". Agora eu já não tinha tanta certeza. Outra pergunta era se o homem tem direito de interferir na natureza para privilegiar a si e aos da sua espécie. Respondi que concordava, mas não completamente.

Isso, por sua vez, me lembrou de uma discussão que tive com umas amigas sobre homossexualidade. Nela, uma das pessoas apontou que isso era errado, pois ia de encontro com um dos princípios da natureza: Eles não conseguiriam se reproduzir. É verdade. Do ponto de vista darwiniano, é verdade. Porém, ir de encontro aos "princípios da natureza" é que a nossa espécie faz de melhor. E fazemos o tempo todo, mesmo sem perceber. Veja, por exemplo, os remédios. Nossas doenças quase sempre são sinais de que estamos relaxados com a saúde, que deveríamos nos alimentar melhor, etc. Essa é a seleção natural falando diretamente contigo. Não é forte o suficiente pra sobreviver? Então sai da brincadeira. E sem choro! Diante de uma doença qualquer, a nossa abordagem padrão é consumir alguma substância criada em laboratório que vá resolver o problema. Uma daquelas comercializadas em embalagens de plástico ou vidro colorido. Em suma: matamos o que nos mata sem dó nem piedade.

Se você já ouviu falar George Carlin, deve lembrar que dos seus schetches (Pro Life, Abortion, And The Sanctity Of Life) ele lembra de onde tiramos a ideia de que a vida é sagrada. Nós a inventamos! Porém esquecemos de dizer qual vida. As bactérias que combatemos ao tomar um antibiótico tem uma vida. Mas será ela sagrada? A maioria das pessoas acha que não, sagrada só a nossa. E nós continuamos a matar. Seja um boi pra comer, uma porção de esquilos pra vestir ou um exército de bactérias pra sobreviver. Há quem pague por pó de chifre de rinoceronte na expectativa de voltar a ter a virilidade dos 15 anos. Não é preciso dizer que pra tirar o chifre é preciso matar o bicho, certo? Mas nenhuma dessas vidas é sagrada. Continuemos matando.

Eu concordo com muito do que George Carlin disse, mas essa conversa está ficando muito teórica e pouco prática. Então volto a me perguntar: e o escorpião? O escorpião, com um golpe certeiro, eu matei. Porque seria muito mais doloroso escutar alguém comentar que naquela esquina alguma criança foi picada por ele do que eu mesmo ser o alvo. Hoje a simpatia pelo meu semelhante prevaleceu.