quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O escorpião

Acordei cedo, saí pra ir à padaria. Passando por uma das esquinas do bloco notei que descansava ali um escorpião. Ele tinha um tamanho não muito comum. Uns 4 ou 5 centímetros.

Isso me fez pensar se valia ou não a pena matá-lo. Me concedi um pouco mais de tempo para pensar e resolvi dar uma resposta definitiva à questão depois. Na volta da padaria ele ainda estava lá.

Lembrei de uma pesquisa da qual participei recentemente. Ela perguntava se, na minha opinião, a vida dos humanos é superior à dos animais. Respondi "não". Agora eu já não tinha tanta certeza. Outra pergunta era se o homem tem direito de interferir na natureza para privilegiar a si e aos da sua espécie. Respondi que concordava, mas não completamente.

Isso, por sua vez, me lembrou de uma discussão que tive com umas amigas sobre homossexualidade. Nela, uma das pessoas apontou que isso era errado, pois ia de encontro com um dos princípios da natureza: Eles não conseguiriam se reproduzir. É verdade. Do ponto de vista darwiniano, é verdade. Porém, ir de encontro aos "princípios da natureza" é que a nossa espécie faz de melhor. E fazemos o tempo todo, mesmo sem perceber. Veja, por exemplo, os remédios. Nossas doenças quase sempre são sinais de que estamos relaxados com a saúde, que deveríamos nos alimentar melhor, etc. Essa é a seleção natural falando diretamente contigo. Não é forte o suficiente pra sobreviver? Então sai da brincadeira. E sem choro! Diante de uma doença qualquer, a nossa abordagem padrão é consumir alguma substância criada em laboratório que vá resolver o problema. Uma daquelas comercializadas em embalagens de plástico ou vidro colorido. Em suma: matamos o que nos mata sem dó nem piedade.

Se você já ouviu falar George Carlin, deve lembrar que dos seus schetches (Pro Life, Abortion, And The Sanctity Of Life) ele lembra de onde tiramos a ideia de que a vida é sagrada. Nós a inventamos! Porém esquecemos de dizer qual vida. As bactérias que combatemos ao tomar um antibiótico tem uma vida. Mas será ela sagrada? A maioria das pessoas acha que não, sagrada só a nossa. E nós continuamos a matar. Seja um boi pra comer, uma porção de esquilos pra vestir ou um exército de bactérias pra sobreviver. Há quem pague por pó de chifre de rinoceronte na expectativa de voltar a ter a virilidade dos 15 anos. Não é preciso dizer que pra tirar o chifre é preciso matar o bicho, certo? Mas nenhuma dessas vidas é sagrada. Continuemos matando.

Eu concordo com muito do que George Carlin disse, mas essa conversa está ficando muito teórica e pouco prática. Então volto a me perguntar: e o escorpião? O escorpião, com um golpe certeiro, eu matei. Porque seria muito mais doloroso escutar alguém comentar que naquela esquina alguma criança foi picada por ele do que eu mesmo ser o alvo. Hoje a simpatia pelo meu semelhante prevaleceu.

3 comentários:

Vivizinha disse...

Caramba! Muito bom, senhor Bonifacio.

Bonifacio Segundo disse...

Obrigado, Vivizinha. Você é sempre generosa com meus textos. :)

Alex Luna, Tarrask disse...

Posando de herói, salvando criancinhas, Bonifácil?

Queria ver você matar um escorpião do seu tamanho!

Rá!

Ótimo texto. :D